A propagação de “slogans” que encorajam encarar “depressão” como doença de causas biológicas que deve ser tratada com métodos biológicos contribuiu para que muitos que antes sofriam em silêncio procurassem ajuda, mas a maneira como a população aplicou e entendeu essa ideia pode ter contribuído para produzir atitudes negativas e fragilizar indivíduos.
Pensem no dilema e tentação que surgem na cabeça de alguém que enfrenta algum tipo de sofrimento psíquico. Quando colocar a dor psíquica na categoria “depressão doença” e quando colocar na categoria “desafio da vida”?
A alternativa “depressão doença” é tentadora, pois não implica em nenhuma necessidade de adaptação da pessoa, seja enfrentando perdas e frustrações ou reavaliando suas interpretações e atitudes, processos em geral demorados e difíceis; além de dar a esperança de que uma medicação ponha rápido fim a esse sofrimento psíquico.
E se o sofrimento for resolvido com essa medicação, pode-se produzir algo análogo ao que ocorre em doenças marcadas por insensibilidade à dor: como nada produz dor, a pessoa sofre repetidas queimaduras, cortes e fraturas que levam a amputação de membros.
A dor psíquica tem um papel parecido com o da dor física. Se nada produz sofrimento psíquico, o que houver de desproporcional, inadequado e negativo nas interpretações do mundo e de si mesmo e nas atitudes que a pessoa adota deixa de ser percebido e essas atitudes negativas são até validadas e cultivadas. A longo prazo, isso conduz a perda de efeito de medicações ao mesmo tempo que leva a pessoa a perder de vista as próprias atitudes negativas, já tão cristalizadas que passam a ser percebidas como uma realidade inevitável, algo imutável na sua natureza, fora do seu controle.
O alívio produzido pela cômoda ingestão diária de um medicamento faz com que o sujeito deixe de investir, ao menos em algum grau, no saudável questionamento de suas emoções e atitudes, no lento e doloroso processo de amadurecimento e aprendizado pelo qual todos teremos que passar diante da sucessão inevitável de frustrações e perdas que fazem parte da vida.
A medicina tem muito a oferecer na “analgesia da dor psíquica”, mas mesmo quando uma razão biológica clara produz um quadro de depressão, como pode ocorrer após certos tipos de acidente vascular cerebral, isso em nada reduz a importância do indivíduo continuar buscando, fora da medicina, evoluir na maneira de interpretar e lidar com cada diferente tipo de dor psíquica que o acomete.
Para que os recursos médicos sejam somados aos recursos da psicologia e da busca individual por amadurecimento e fortalecimento, é fundamental que o paciente entenda os limites desses recursos médicos e seu papel apenas complementar nesse processo.
Pense em como o indivíduo pode se sentir fortalecido ao encontrar novas maneiras de enfrentar o sofrimento, seja por seu próprio esforço ou pelo convívio com sua família, cultura e tradições ou ainda nos campos da arte, literatura, filosofia ou religião. Se toda expectativa do paciente recai sobre o campo da medicina, ele fica privado dessas fontes poderosas de força.
Explicar um pouco da história do diagnóstico de depressão pode dar uma ideia mais clara de como o paciente pode usufruir de maneira positiva do que a medicina oferece, sem deixar de dar valor aos recursos “não-médicos” de fortalecimento.
A ideia moderna de depressão nasceu no ambiente médico dos anos 70 e foi formalizada na edição de 1980 do manual diagnóstico e estatístico de distúrbios mentais da associação americana de psiquiatria. O objetivo médico dessa nova classificação, onde um grande espectro de condições de sofrimento psíquico passou a ser classificado como depressão era organizar a pesquisa sobre mecanismos biológicos e tratamentos biológicos de condições marcadas por sofrimento psíquico, temas que ganharam importância principalmente após erros no uso de uma série de drogas psicoativas que se difundiram a partir dos anos 50, como o Meprobamato (Miltown), Clordiazepóxido (Librium), talidomida, lítio e outras.
Antes da classificação de 1980, boa parte do que hoje colocamos dentro do espectro de depressão era classificado, por psiquiatras, como “ansiedade psiconeurótica” ou “depressão neurótica” e ocupava o imaginário popular sob nomes como “problemas nos nervos”, “ansiedade” ou “estresse” e vistos como consequência de dificuldade de adaptação a “problemas da vida”. Um relato riquíssimo dessa longa história foi descrito pelo sociólogo Allan Horwitz, em 2010.
Pode-se dizer que a ideia moderna de “depressão doença” não é um diagnóstico, mas um projeto de pesquisa.
Nesses 40 anos de pesquisa, com a evolução na neuroimagem e na neurofisiologia encontrou-se uma série de marcadores biológicos que tem associação com essa categoria diagnóstica de sofrimento psíquico, mas todos marcadores relevantes podem ser vistos apenas como marcadores de uso de estuturas biológicas e não explicações biológicas para a origem do sofrimento psíquico. Em resumo: a medicina não fornece qualquer explicação biológica para a maior parte dos casos que classifica como depressão, apenas descreve um mapa de sinais biológicos que coincidem com essa condição.
Quanto a tratamentos biológicos, a medicina encontrou dezenas de métodos que podem produzir alívio do sofrimento psíquico, mas quando o método biológico não é visto apenas como ferramenta auxiliar e a pessoa deixa de investir no aprendizado emocional, há risco do efeito benéfico de qualquer tratamento biológico se limitar a curto prazo e resultar em perda de efeito ou piora no longo prazo.
O método biológico que motivou a formação do grupo GET-EMT, a estimulação magnética transcraniana, combina tanto efeitos de “ativação cerebral” quanto de “facilitação do aprendizado emocional”. É como um método biológico que tem também um alvo psíquico: áreas cerebrais envolvidas na regulação emocional.
Entender esses mecanismos biológicos requer uma mudança de foco para processos celulares e uma listagem de evidências e referências, mas a compreensão desses mecanismos é dispensável para que se obtenha benefício a partir dessa observação.
O paciente pode começar a usufruir desse “duplo benefício biológico-psíquico” se, por exemplo, entender os conceitos que reiteramos nesse texto e procuramos renovar e ilustrar durante as sessões de Estimulação Magnética:
- Reconhecer o papel complementar do tratamento biológico e a importância de, mesmo após melhora do humor, continuar a busca por “aprendizado emocional” que o proteja de novos episódios.
- Aprender a identificar, em seus próprios processos psíquicos, os momentos em que a “regulação emocional está em jogo”. A atenção a esses processos é tema de, por exemplo, técnicas de meditação ou de uma linha de terapia psicológica chamada Terapia Metacognitiva. A partir de uma série de exercícios e orientações, o paciente pode começar a tomar ciência desses processes e, com isso, acelerar e potencializar a melhora do humor, além de otimizar a conversão de “compreendido” para “condicionado”, o que leva à incorporação do aprendizado no dia a dia e fortalecimento da matriz psicológica do indivíduo.
A facilitação do aprendizado emocional deriva de ativação de processos celulares semelhantes aos envolvidos na codificação de memórias. É nesses mecanismos celulares que reside a explicaçao para, durante tratamento com EMT, ser mais fácil a pessoa converter em hábito, condicionar, a adoção de novas atitudes na relação com emoções. Basta que a pessoa traga à consciência essas atitudes, invista no aprendizado.
Em resumo:
Não procure explicações biológicas quando experimentar sofrimento psíquico. Deixe essa tarefa a médicos que inventaram esse diagnóstico.
Não tenha pudores em buscar métodos biológicos para enfrentar o sofrimento, mas não deixe de continuar a procura por aprender algo com o que passou.
Se a melhora biológica não for, ao menos em parte, convertida em aprendizado, a “economia” pela redução de sofrimento obtida no curto prazo às custas de métodos biológicos pode não justificar o “custo” pelo aumento da fragilidade no longo prazo.
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