A importância de aprender algo após sofrer um episódio de depressão

Embora “depressão” seja um diagnóstico médico que agrupe pessoas que enfrentam sofrimento psíquico de origens e naturezas bastante diversas, uma afirmação que quase sempre é válida para toda a diversidade de pacientes com depressão é a grande importância do aprendizado, de como, ao longo da vida, a maneira como a pessoa aprendeu a lidar com emoções e frustrações influi na recorrência da depressão. Mais do que uma doença que se “adquire”, a depressão é uma que se “aprende”.

Enxergar a depressão como uma doença aprendida e não uma doença adquirida não quer dizer que tratamentos biológicos não sejam importantes.

Assim como tudo que aprendemos está codificado de forma biológica, o tipo de “aprendizado” que conduz a depressão tem uma diversidade de assinaturas biológicas e pode ser manipulado de maneira biológica, mas isso não significa que o distúrbio nasceu por eventos em neurônios ou foi codificado diretamente no DNA.

A predisposição genética a certos temperamentos é parte da diversidade humana e há certos temperamentos que, ao mesmo passo que conferem vantagens em algumas situações, podem conferir maior predisposição a sofrimento psíquico em outras. A constatação dessas realidades biológicas não pode servir como justificativa para minimizar a importância do aprendizado. Que alguns aprendam mais fácil que outros não é justificativa para deixar de investir em aprendizado de quem tem maior dificuldade.

Exemplo de aprendizado positivo produzido ao retirar o paciente de um quadro de depressão por meio de um tratamento biológico

Ouvi de muitos pacientes que responderam bem à estimulação magnética transcraniana o relato de que, após o tratamento, algo mudou no impacto que cada emoção produz sobre a consciência. Pensamentos que, antes do tratamento, abalavam a pessoa, após o tratamento já não têm o mesmo poder.

Essa mudança pode ensinar algo ao paciente, mesmo que o médico não dê nenhuma orientação ou instrução que o encoraje a aprender com a mudança. Ao perceber que é possível se manter equilibrado diante de pensamentos e preocupações que antes o dominavam, ele pode aprender a lidar melhor com certos sentimentos e pensamentos, mudar sua visão e sua atitude, corrigir ou ao menos deixar de adotar algum hábito negativo e com isso ganhar segurança e força para lidar com crises no futuro. Esse aprendizado o deixa mais protegido de novos episódios.

Exemplo de aprendizado negativo

Mas a mesma melhora pode ser encarada de maneira oposta. Alguns pacientes não questionam as interpretações e atitudes negativas que tomavam quando estavam deprimidos, apenas dão menos atenção a elas por efeito do tratamento e pode-se dizer que saem do episódio de depressão por efeito de uma “analgesia psíquica”. Por um mecanismos de fuga.

E como todo tratamento puramente analgésico, quando fatores que produzem a “dor psíquica” não são corrigidos, o alívio tende a ser temporário. Se o paciente não questiona sua convicção sobre interpretações e atitudes negativas, a melhora do humor pode ser vista como uma fuga da visão negativa facilitada pelo tratamento biológico, não como possível fruto de uma maneira mais equilibrada de enxergar a vida psíquica. Ao contemplar duas visões e associar a visão positiva à fuga da visão negativa obtida por meio de um medicamento, o paciente está dando poder à visão negativa.

Não se conquista fortalecimento fugindo do que é negativo. Algum grau de enfrentamento doloroso é necessário.Nesses pacientes, até o fato de ter respondido ao tratamento biológico pode semear ideias negativas, de que apenas por meios biológicos é que o paciente pode obter equilíbrio. Isso alimenta insegurança diante de novas frustrações e pode induzir a perda de efeito de medicações ou recorrência do quadro de depressão.

O que distingue esses perfis de pacientes que tem uma evolução oposta no longo prazo mesmo tendo ambos respondido bem a um tratamento biológico no curto prazo é o aprendizado.

Alguma orientação médica pode contribuir para aprendizado positivo?

Em que medida o médico tem condições de estimular o paciente na direção de aprendizado positivo e fortalecimento?

Médicos geralmente resumem suas orientações a aspectos biológicos do tratamento, como os possíveis efeitos colaterais do tratamento, prazo habitual de resposta e índice de sucesso.

Embora seja consenso entre médicos a importância de combinar tratamento biológico com avaliação e acompanhamento psicoterapêutico na depressão, o fato de orientações biológicas e orientações psicológicas virem de profissionais diferentes que pouco conversam entre si pode produzir a ilusão, no paciente, de que ele tem que fazer uma escolha, quando o positivo seria procurar criar pontes entre biológico e psicológico, convertendo a melhora biológica em aprendizado. Em mais força para lidar com frustrações, perdas e emoções negativas.

O termo médico mais usado para descrever essa função cognitiva que pode ser desenvolvida por aprendizado e amadurecimento, além de manipulada por medicamentos, e que rege a relação entre a consciência, atenção e emoções é “regulação emocional”.

A mudança no poder de emoções dominarem a atenção é algo esperado com o tratamento biológico da depressão, seja com medicamentos ou estimulação magnética transcraniana.

Limitações do médico para contribuir na educação

A ciência médica estuda em detalhes quais estruturas cerebrais e neurotransmissores estão envolvidos na regulação emocional, mas a própria natureza da investigação de métodos biológicos para tratamento da depressão, que exige isolar o que é biológico do que é psicológico, favorece a produção de recomendações biológicas com um vazio de recomendações psicológicas ou educacionais.

Esse “vazio de recomendações psicológicas” limita a eficácia do tratamento e pode até gerar erros de interpretação do paciente que o fragilizam e o tornam mais dependente e mais resistente a métodos biológicos.

E não é só o método científico necessário para o isolamento de fatores biológicos que conspira para esse vazio de orientações psicológicas. A maioria dos atendimentos médicos ocorrem em uma realidade que não deixa espaço para, junto da prescrição de um método que irá “tornar mais fácil a relação do paciente com suas emoções”, conversar sobre a importância do paciente procurar também aprender a lidar com emoções.

Mas há perigos nessa omissão. Pensem, por exemplo, se alguém pode aprender a lidar com emoções negativas esforçando-se para fugir dessas emoções ou atenuá-las. Quando se fala em “atenuar emoções” geralmente se pensa em sedativos ou álcool, mas mesmo antidepressivos agem, de forma mais sutil, atenuando a resposta a emoções, reduzindo o poder que certas emoções têm de dominar a atenção. Se o paciente coloca todo seu esforço e expectativa no tratamento médico e não procura converter em aprendizado a melhora obtida ele pode, sem se dar conta, alimentar mecanismos de fuga que o aprisionam e fragilizam ao invés de fortalecê-lo.

Mas talvez o maior responsável pela omissão de orientações educacionais seja a sua enorme diversidade, sua presença fora da área de autoridade do médico, a dificuldade em medir o impacto de cada orientação, a dificuldade em se fazer entender de maneira que o paciente consiga encontrar relevância da orientação dentro da sua própria experiência. Toda essa dificuldade, no entanto, não pode servir de desculpa para abandonar o esforço.

Assim como é difícil medir o efeito positivo de orientações educacionais, é difícil medir o efeito negativo da omissão.

A proposta dos serviços GET

O tipo de orientação educacional que procuramos transmitir aos pacientes nos serviços GET pretende agir principalmente como motivador da busca contínua de aprendizado além da área médica e não é, de maneira alguma, um substituto ou alternativa a abordagem de psicólogos ou psicoterapeutas. Queremos lembrar ao paciente sobre a importância de continuar procurando aprender a lidar com emoções e sobre os perigos de buscar apenas “aliviar a dor psíquica” por meios biológicos.

Apesar da dificuldade de traduzir esse esforço educacional em números e de encontrar o conteúdo ideal, é nítido o quanto esse esforço enriquece a relação entre médico e paciente e o quanto é motivador perceber que, no assunto “relação com emoções”, é fácil encontrar, fora da área médica, não só nos campos da psicologia como até da literatura, filosofia ou meditação, cada um com sua linguagem mas tratando de processos similares, conteúdos com potencial de ajudar o paciente junto do método biológico.

Edrin Vicente, neurologia clínica, CRM SP 78867

Serviço GET Vila Mariana, São Paulo