Quando alguém se coloca na categoria “depressão”, tudo aquilo que entende sobre essa categoria passa a ser aplicado à própria vida e influencia tanto na busca de alívio ou compreensão do sofrimento psíquico como na própria experiência de sofrimento que leva a esse diagnóstico.

Dito de outra maneira: quando alguém que experimenta sofrimento psíquico recebe o diagnóstico de depressão, o próprio diagnóstico já pode produzir efeitos no sofrimento psíquico, e esses efeitos podem tanto ser positivos como negativos, dependendo do que a pessoa entende por “depressão”. Para evitar efeitos nocivos, algo que se pode chamar de “efeitos colaterais do diagnóstico”, é fundamental desfazer mitos sobre a natureza da depressão.

O conceito moderno de depressão, que hoje é adotado não só no campo da medicina como na psicologia e na mídia, nasceu dentro da medicina ao longo dos anos 70, especificamente dentro de uma corrente da psiquiatria, a psiquiatria biológica, e com um objetivo claro: organizar a pesquisa sobre mecanismos biológicos e tratamentos biológicos de condições marcadas por sofrimento psíquico.

Para ilustrar o que não significa o diagnóstico de depressão é interessante mostrar o contraste com outras condições médicas puramente biológicas. A depressão não foi “descoberta” nos anos 70, como, por exemplo, a Doença de Chagas foi descoberta por Carlos Chagas em 1908. Ela foi inventada nos anos 70 com a intenção de organizar possíveis descobertas e desde então vem sendo reinventada para se adaptar às descobertas.

Pode-se dizer que a certidão de nascimento da ideia moderna de depressão é a edição de 1980 do DSM. Nos anos de 1987, 1994, 2000 e 2013, datas de edições posteriores do DSM, a ideia passou por alguns reparos, mas até hoje não se pode dizer que a invenção da depressão como uma categoria diagnóstica atingiu o objetivo inicial de unificar a compreensão e a abordagem biológica do tipo de sofrimento psíquico que cai nessa categoria.

A propagação do conceito que a psiquiatria biológica elaborou da depressão fora do ambiente médico e a evolução do entendimento nas décadas seguintes, em que dezenas de medicamentos “antidepressivos” foram desenvolvidos e exames de neuroimagem e neurofisiologia evoluíram a ponto de serem capazes de detectar alterações biológicas no nível celular gerou mitos até mesmo entre médicos não-especialistas.

O principal mito é sobre a natureza biológica de certos estados de sofrimento psíquico. A forma mais comum desse mito se manifesta em pacientes que classificam seu sofrimento psíquico como um desequilíbrio químico ou sua condição resistente ao tratamento como algo inevitável impresso na sua genética ou fruto de alguma degeneração cerebral.

Imagine o efeito desse mito na vida psíquica de um paciente que recebeu o diagnóstico de depressão. Como ele irá decidir qual sofrimento psíquico “é químico” e qual sofrimento psíquico “não é químico”?

Ao atribuir a razões biológicas certos estados de sofrimento psíquico e esperar que sua superação venha de uma intervenção biológica comodamente ingerida na forma de um comprimido, o sujeito é tentado a deixar de investir, ao menos em algum grau, no saudável questionamento de suas emoções e atitudes, no lento e doloroso processo de amadurecimento e aprendizado pelo qual todos teremos que passar diante da sucessão inevitável de frustrações e perdas que fazem parte da vida, na identificação fortalecedora entre seu sofrimento e aquele retratado fora do ambiente médico, no convívio com sua família, cultura e tradições ou nos campos da arte, literatura, filosofia ou religião. O sofrimento psíquico não é monopólio da medicina.

A propagação do mito sobre a natureza biológica da depressão pode, dessa maneira, agir de maneira a enfraquecer o indivíduo e mesmo uma sociedade, algo similar ao retratado por Aldous Huxley em sua distopia de 1932, “Admirável Mundo Novo”, onde os cidadãos eram mantidos sob controle, em parte, às custas de uma droga de nome “soma”, que os mantinha tranquilos e felizes.

A compreensão correta da evolução médica no entendimento e abordagem do sofrimento psíquico começa delimitando o papel da medicina no alívio desse sofrimento e na busca por fortalecimento e amadurecimento do indivíduo na relação com suas emoções.

Há propensão genética a certos temperamentos e há certos temperamentos que sujeitam indivíduos a maior susceptibilidade a sofrimento psíquico diante de certas condições, mas esses mesmos temperamentos que conferem uma aparente fragilidade em um campo podem ser fonte de força em outros. A diversidade de indivíduos não é divisora entre saudáveis e doentes, mas criadora do ambiente rico em que desiguais constroem seu sucesso como grupo.

Há realmente marcadores biológicos que se encontra com mais frequência entre indivíduos com sofrimento psíquico classificado como depressão, mas isso não significa que o sofrimento psíquico nasceu por processos independentes daqueles que imprimem em nosso cérebro tudo aquilo que vivemos e aprendemos.

As áreas cerebrais importantes para orientação espacial estão aumentadas, por exemplo, no cérebro de motoristas de táxi de Londres, como revelou um famoso estudo publicado há 20 anos, mas essa “alteração” biológica é apenas um marcador de como essa área foi usada.

Em pacientes com depressão encontra-se aumento de atividade ou alteração de volume em certas áreas cerebrais, mas esses são simplesmente um marcador de como essas áreas foram ou estão sendo usadas e não um sinal de que a condição nasceu nessas estruturas.

Ferramentas biológicas não conseguem, ao menos nesse momento, “escrever memórias ou experiências” em nosso cérebro. Estimular a área cerebral que é aumentada nos motoristas de táxi de Londres não faz surgir uma mapa de Londres na consciência.

Mas ferramentas biológicas conseguem mudar o equilíbrio na relação entre emoções e consciência, que tende a ser alterado em pacientes com depressão, pois esse equilíbrio é fruto tanto de aprendizado como de energia. É preciso um certo grau de energia para não ser tomado por emoções e desenvolver atitudes equilibradas e positivas.

Tanto medicamentos como a estimulação magnética transcraniana tem efeito na regulação dessa relação entre emoções e razão, mas a estimulação magnética transcraniana tem uma importante vantagem, o potencial de, além de agir ativando áreas cerebrais que influem nesse equilíbrio, de exercer efeito facilitador no aprendizado de regulação emocional. Se o paciente dirigir sua atenção aos processos de regulação emocional ele pode ajudar o tratamento com Estimulação Magnética a ajudá-lo.

Mas vou abordar esse assunto sobre como o paciente pode ajudar a EMT a ajudá-lo em outro material e por ora quero apenas concluir com uma recomendação.

  • Não alimente a ideia de que alguma experiência de sofrimento psíquico que você venha a sofrer possa ter nascido em eventos biológicos, fruto, por exemplo, de desequilíbrios químicos, ou foi programada em sua genética. Isso seria nocivo à sua capacidade de superação e fortalecimento e à formação de sua visão de mundo e de si próprio.
  • Ferramentas biológicas podem ajudá-lo a lidar com o sofrimento psíquico, mas elas devem ser vistas como coadjuvantes. Seu objetivo deve sempre ser converter a melhora em aprendizado.
  • Se você entender onde essa ferramenta biológica irá agir, entender os limites da ação biológica e a importância dos esforços conscientes, apenas dirigindo sua atenção aos processos psíquicos onde a estimulação magnética transcraniana deve operar, ao repetido impacto que emoções exercem na razão e como isso antecede a construção de um “estado de ânimo”, ela soma, ao poder que só sua própria consciência tem de “escrever memórias” com a “energia extra” fornecida pelo método biológico, e você ganha força para entender e sair dessa condição e converter esse processo em aprendizado e amadurecimento.