Esse filme de 1963, com Jack Lemmon, retrata a transformação sofrida por alguém que alimenta um vício em álcool.
Interpretar obras de arte e extrair aconselhamento psicológico está obviamente fora da área de atuação de médicos. Quero apenas apontar esse filme como exemplo da combinação de um processo biológico (ingesta de álcool) e um processo psicológico (mudança de visão de mundo, naquilo que a pessoa vê como desejável e valorizável) na produção da dependência. Em outras palavras: não é só a droga, é também permitir que a droga mude sua visão de mundo.
Ao visualizar e registrar esse exemplo de trajetória psicológica destrutiva, você pode aprender algo e aprimorar a capacidade de perceber e corrigir seu rumo quando alguma fonte de prazer o impele nessa direção.
A quem assiste o filme, eu recomendo dar atenção ou tentar imaginar o tipo de ideias que a personagem Kirsten cultivou no caminho que a conduziu ao longo dessa mudança radical naquilo que ela via como desejável, valorizável e prazeroso.
Essa tarefa de colocar uma trajetória de vida em perspectiva – colocar passado, presente e futuro em uma linha – e tentar entender que tipo de motivação deslocou a pessoa de uma visão de mundo a outra, é um exercício mental sofisticado, que envolve colocar em contexto a sequência de encontros entre pessoas com diferentes histórias pessoais, temperamentos e valores e atribuir papel a cada um deles.
Essa “faculdade mental” de monitorizar e questionar as próprias motivações, quando bem cultivada, tem poder de iluminar, fortalecer e produzir transformações positivas que vão muito além da prevenção do vício em álcool, como é objeto do filme.
Junto do processo biológico em que drogas ou outros vícios sequestram e monopolizam os circuitos cerebrais envolvidos na motivação e prazer, há sempre uma correspondente transformação psicológica no que a pessoa vê como desejável, prazeroso e tenha significado.
Ao imaginar essa transformação, ao criar o seu próprio retrato mental de tal trajetória, você pode estar registrando um padrão que lhe permitirá reconhecer quando você cair em uma tentação parecida. Não importa a precisão do seu retrato. Cada pessoa cria um retrato mental diferente. Uma mesma palavra pode ser entendida de maneiras diferentes por cada um. Em um nível alto de compreensão é difícil traduzir em poucas palavras aquilo que entendemos. O importante é investir em continuar ampliando e sofisticando seu próprio vocabulário mental, algo que um bom filme ou livro sempre tem poder de produzir.
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